É típico se ver nas igrejas cristãs um zelo especial pela Palavra de Deus. Nas denominações evangélicas este cuidado também é notório. Embora um tanto desgastada pelos péssimos exemplos da atualidade a pregação da Palavra sempre ocupou um lugar de destaque no culto e na vida cristã, seja do leigo ou do ministro. Ao percorrer a história do cristianismo salta aos olhos os gloriosos exemplos deste amor pelas Letras Sagradas. Os puritanos podem ser tomados como um desses exemplos e aqui estarão expostos os seus traços gerais; servindo-se como guia a exposição de James Packer.
Ainda que um lapso de tempo de quatrocentos anos nos separe dos puritanos, hoje se reafirma a necessidade de empenho, sinceridade e boa disposição na pregação. Os sermões puritanos eram marcados pela centralidade na Bíblia e vivacidade, tendo em vista a vida diária. “A retórica dos puritanos era serva do biblicismo deles” (p. 300).
A tradição puritana quanto à pregação foi criada em Cambridge na passagem do século XVI para o século XVII, pelos líderes do primeiro grande movimento evangélico naquela universidade (William Perkins, Paul Baynes, Richard Sibbes, John Cotton, John Preston, Thomas Goodwin e outros). O puritanismo que tinham em comum não era um programa de reformas eclesiáticas (p. 300).
No final do século XVI a estrutura dos sermões já tinha sido simplificada, nasceu então a divisão do sermão em três pontos. Lloyd-Jones foi o principal responsável pela entrada da tradição puritana da pregação no séc. XX (p. 301).
Ao traçar o perfil dos puritanos, Packer
ressalta as atitudes e maneiras como a pregação deve ser apresentada, tal como
aparece no Westminster Directory for the public Worship of God.
Ao servo de Deus cabe realizar todo o
seu ministério (p. 298):
1- Com empenho, não fazendo a obra do
Senhor com negligência.
2- De forma clara, para que os mais
simples possam entendê-lo, equilibrado no uso das palavras.
3- Fielmente visando a honra de Cristo, a
conversão, a edificação, a salvação de pessoas e não sua própria glória e
vantagem; nada ocultando que possa promover esses objetivos.
4- Sabiamente, formulando bem todas as suas
doutrinas, exortações e, sobretudo, suas reprimendas.
5- Com seriedade, como convém à Palavra
de Deus, evitando gestos, tons de voz e expressões que ocasionem as corrupções
humanas que levem as pessoas a desprezarem a ele mesmo e o seu ministério.
6- Com amor, para que as pessoas vejam
que tudo se deriva de seu zelo piedoso, de seu profundo desejo em lhes fazer o
bem.
7- Como alguém que foi ensinado por Deus
e que está persuadido, em seu próprio coração, de que tudo quanto ensina é a
verdade de Cristo.
Quatro axiomas sublinham todo o
pensamento puritano sobre a pregação:
1- Primazia do intelecto: “Toda graça
entra por meio do entendimento”. O único caminho para o coração, que o pregador
está autorizado a tomar, passa pela cabeça das pessoas.
2- Crença na suprema importância da
pregação. O sermão era o clímax litúrgico da adoração pública. O sermão não vem
naturalmente, o estudo intenso deve ser constante e toda a vida semanal do
pregador deve ser planejada tendo em vista o tempo necessário para a preparação
do sermão.
3- Crença no poder que as Escrituras
possuem para dar vida. Confiança no poder vivificador e nutriente da mensagem
bíblica. A Bíblia é a Palavra de Deus, portanto tem poder para tocar as pessoas
no âmago de suas almas. A tarefa do pregador é apascentar o rebanho com o
conteúdo da Bíblia. A pregação era caracterizada pela reverência pela verdade
revelada e a fé em sua total suficiência ante às necessidades humanas. Por
esses motivos o trabalho pastoral era definido em termos de pregação.
4- Crença na soberania do Espírito Santo.
Insistiam que a eficácia final da pregação está fora do alcance do pregador (p.
304).
Os tipos de pregação que derivaram dessas
convicções (p. 305...):
1- A pregação dos puritanos era
expositiva em seu método. Explicavam o texto em seu contexto; extraíam uma ou
mais observações doutrinárias; ampliavam, ilustravam e confirmavam, com base em
outros trechos bíblicos, as verdades dali derivadas.
2- A pregação dos puritanos era
doutrinária em seu conteúdo. “A tarefa do pregador consiste em pregar a fé, e
não promover entretenimento para os incrédulos – em outras palavras, alimentar
as ovelhas e não divertir os bodes” (p. 306).
3- A pregação dos puritanos era ordeira
em seu arranjo. Davam importância à análise e um bom sermão tinha que ser o
mais claro e lógico quanto possível. Eles ensinavam às sua congregações a
memorizarem os sermões a fim de meditarem neles durante a semana. Um sermão que
fosse difícil de ser lembrado, por essa mesma razão, era tido como um mau
sermão (p. 306).
4- A pregação dos puritanos era profunda
em seu conteúdo e popular em seu estilo. Toda a prédica que exalta o pregador
não edifica e é uma pregação pecaminosa. Usavam uma linguagem (o inglês)
simples, direta e familiar.
5- A pregação dos puritanos era
cristocêntrica em sua orientação. “A chamada do pregador consiste em anunciar
todo o conselho de Deus; e a cruz é o centro desse conselho” (p. 307). Três
metas: humilhar o pecador, exaltar o Salvador e promover a santidade.
6- A pregação dos puritanos era
experimental em seus interesses. A pregação era declaradamente prática:
conduzir as pessoas ao conhecimento de Deus, a experimentá-lo. A regra fora
formulada por David Dickson, que recomendou a um jovem pastor que estudasse
dois livros ao mesmo tempo: a Bíblia e o seu próprio coração. “Os puritanos
viam como uma questão de consciência provarem, por si mesmos, o poder salvífico
do evangelho que recomendavam a outros” (p. 308). Demonstravam terem experimentado
aquilo que estavam falando.
7- A pregação dos puritanos era
transpassante em suas aplicações. A Palavra de Deus deve ser aplicada aos
diferentes tipos de pessoas, dado que as igrejas são formadas por um misto de
todo tipo de gente. Baseado nisso o Westminster Directory for Publick Worship
of God especifica seis tipos de aplicações: 1) instrução ou informação quanto
ao conhecimento de alguma ... conseqüência de sua doutrina; 2) refutação de
doutrinas falsas; 3) exortação quanto aos deveres; 4)dissuasão, repreensão e
admoestação pública; 5) consolo adequado; 6) auto-exame (p. 309).
8- A pregação dos puritanos era poderosa
em sua maneira de ser. Eles buscavam a unção no púlpito e pregavam como se
fosse a última vez, “como se a morte estivesse em suas costas” (p. 310). A
técnica é uma necessidade na pregação (exposição e aplicação), mas é
necessário, principalmente, a unção do Espírito Santo.
(Leituras em PACKER, J. I. A pregação dos puritanos. Cap. 17, in Entre os gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã. São José dos Campos, SP: 1996.)